domingo, dezembro 1, 2024
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Endometriose: a doença benigna que leva o caos à vida de 8 milhões de brasileiras

Março é o mês escolhido para a conscientização sobre endometriose, doença benigna que compromete a qualidade de vida de cerca de 8 milhões de brasileiras, seja por causa das cólicas intensas, da infertilidade e da busca extenuante por tratamentos muitas vezes ineficazes e inadequados. Os custos para a saúde pública e suplementar são altos e, embora, a endometriose seja considerada um problema de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde (OMS), permanece ignorada e com poucos investimentos em pesquisas para melhorar seu diagnóstico e tratamento.

A endometriose é benigna e afeta até 10% das mulheres em idade reprodutiva. Se manifesta principalmente por dor pélvica e dificuldade para engravidar. A doença caracteriza-se pela presença do tecido que reveste o útero (endométrio) na pelve feminina, mas que pode afetar outros órgãos, como o intestino, e até os pulmões. Acredita-se que múltiplos elementos se combinem para gerar a doença, havendo interação de fatores mecânicos, genéticos, imunológicos, endócrinos e ambientais. Embora muitos acreditem que seja uma doença da mulher moderna, a endometriose foi descrita pela primeira vez em 1860 e até hoje apresenta desafios para os médicos e pesquisadores mundo afora.

Apesar de ser comum às mulheres, seu diagnóstico é dificultado pela grande variedade na apresentação clínica: enquanto algumas mulheres não apresentam sintomas, outras podem apresentar sinais que trazem impacto significativo à qualidade de vida. Os principais são cólica menstrual, dor durante relação sexual, alteração do hábito intestinal no período menstrual e sangramento nas fezes e urina. É importante lembrar que outras causas de dor pélvica podem estar presentes na vida da mulher, como alterações intestinais, ortopédicas e urinárias, que devem ser identificadas e tratadas.

A infertilidade também é uma condição associada à endometriose, embora nem toda mulher com endometriose enfrente este tipo de problema. Entre as inférteis, entretanto, até 50%  podem ter endometriose. Nestes casos, a avaliação do casal é fundamental e as opções de tratamento para quem sonha em ter filhos incluem o uso de técnicas de reprodução assistida, como a fertilização in vitro (FIV) conhecida como “bebê de proveta”.

A maior dificuldade no diagnóstico de endometriose é a presença de sintomas pouco específicos, como cólicas menstruais e dor durante as relações sexuais, além de infertilidade. Portanto, muitas vezes esse diagnóstico é demorado, podendo levar de cinco a 12 anos até o início do tratamento, prolongando a incerteza da mulher. Outro fator que atrasa sobremaneira o diagnóstico e tratamento adequados é a “normalização da dor”. Infelizmente, a queixa de cólicas menstruais é muitas vezes minimizada ou ignorada por profissionais de saúde, família e amigos, segundo o relato de várias mulheres, em vários países.

Diante dos sintomas, principalmente de cólicas e dores que comprometem as atividades habituais, a mulher deve procurar sua (seu) ginecologista, que por meio da avaliação direcionada e exame físico poderá suspeitar da presença de endometriose e prosseguir com a realização de  exames de imagem, como a ultrassonografia e a ressonância magnética, ficando a  videolaparoscopia com biópsia dos focos reservada para casos específicos. Esses exames, entretanto, devem ser realizados por profissionais com experiência nesse diagnóstico.

Há várias opções de tratamento disponíveis tanto para a dor como para a infertilidade. A abordagem deve ser individualizada, levando-se em conta a idade da mulher e sua reserva ovariana, assim como há quanto tempo está tentando engravidar, além da existência de outros cofatores (infertilidade masculina ou tratamentos anteriores). Para a dor, o tratamento envolve múltiplas medidas. Além da suspensão da menstruação, que pode ser realizada de forma segura e eficaz, com várias opções hormonais disponíveis no mercado, é preciso incluir atividade física, dieta e tratamentos alternativos, como a acupuntura. Cirurgias radicais com remoção do útero e ovários são indicadas em casos específicos nos quais as outras modalidades de tratamento falharam.

A triste realidade é que a endometriose continua sendo uma doença heterogênea para a qual não há cura disponível. As diretrizes atuais recomendam que mulheres com endometriose sejam tratadas por equipes multidisciplinares para obter os melhores resultados com foco em melhorar a qualidade de vida daquela mulher, mas, infelizmente, nem todas têm acesso a esse atendimento. Há um longo e sinuoso caminho até que os melhores atendimento e tratamento possíveis estejam disponíveis para todas as pacientes com endometriose. Lamentavelmente, doenças benignas que afetam mulheres recebem pouco investimento e podem levar anos até que um medicamento que trate a dor e a infertilidade de forma eficaz, ao mesmo tempo em que previne a recorrência da doença, esteja pronto para uso clínico.

Enquanto isso, o que podemos fazer por essas meninas e mulheres com endometriose? Em primeiro lugar, acreditar que a dor é real e parar de achar que as cólicas menstruais são “coisa de mulher” e “normais”. Em seguida, além de acolher a mulher com dor ou dificuldade para engravidar em casa, no trabalho e na família, ajudá-la a buscar atendimento adequado. Converse com o médico da sua confiança. Pergunte sobre as opções disponíveis e discuta dúvidas e medos, bem como eduque os familiares sobre o assunto. Busque fontes de informação confiáveis como as oferecidas por sociedades médicas como a Sociedade Brasileira de Endometriose (@sbendometriose) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (https://www.febrasgo.org.br/pt/). Por fim, tenha cuidado com “curas milagrosas” e lembre-se que a doença é benigna, mas traz um sofrimento profundo que afeta intensamente o curso de vida dessas mulheres. Se no Brasil há cerca de 8 milhões de mulheres com endometriose, é provável que perto de você haja alguém precisando de ajuda.

*Márcia Mendonça Carneiro é professora Titular do Departamento de Ginecologia- Faculdade de Medicina da UFMG e diretora científica da Clínica Origen BH

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