sábado, julho 27, 2024
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Transtornos alimentares em crianças: a comida como alívio para a dor

Aos 7 anos, Flávio e seus três irmãos foram destituídos da família biológica e encaminhados para um abrigo. À espera de uma “nova família”, durante três anos e meio na instituição, o menino começou a engordar. Aos 11, já estava obeso e usava roupas tamanho GG adulto. Crianças como Flávio, que experimentaram vivências relacionadas a algum tipo de trauma, estão cada vez mais presentes nas estatísticas dos transtornos alimentares que vêm, cada vez mais, acometendo os pequenos e os adolescentes.

 

Entre esse público, a obesidade, por exemplo, já é considerada uma epidemia mundial. No Brasil, conforme estimativas do Ministério da Saúde, 6, 4 milhões de crianças têm excesso de peso e 3, 1 milhões já evoluíram para a obesidade. Aumentaram também os índices de bulimia e anorexia nessa faixa etária.

 

Vários estudos associam os transtornos alimentares aos traumas. A compulsão alimentar e, ao contrário, a rigorosa restrição de alimentos, seriam mecanismos adotados por crianças e adolescentes para enfrentar os mais variados tipos de traumas, sejam eles corriqueiros, como a perda de um cachorro, ou mais dramáticos, como abandono afetivo, rejeição, separações familiares, morte de entes queridos ou violência psicológica e sexual.

 

Parte das crianças e adolescentes que passa por alguns desses episódios tende a ter uma relação desequilibrada com a comida. Por detrás disso, escondem-se toda ordem de problemas emocionais, como baixa autoestima, insegurança, medo e muita ansiedade. “Em situações assim, a comida vem para sanar uma dor, suprir o ‘abandono’, preencher espaços vazios que nem mesmo a criança ou o adolescente reconhecem”, analisa a psicóloga Carolina Chacra Marinho, mestre em medicina e Saúde, com foco em obesidade e compulsão alimentar.

 

Com o excesso de peso, ressalta a psicóloga, os pequenos experimentam a sensação de não pertencimento a determinados grupos sociais, por estarem diferentes dos padrões adotados, e podem ser vítimas de bullying. “Então eles sofrem ainda mais com o sentimento de exclusão, que, por sua vez, pode resultar em comportamentos purgativos, com um maior consumo de comida ou uma restrição severa de alimentos”, pontua.

 

Para Carolina, pais e responsáveis devem estar atentos para identificar comportamentos estranhos dos filhos em relação à alimentação, se comem demais ou de menos, se escondem comida. “Por isso o diálogo é fundamental”, diz. Identificado algum problema, ressalta a psicóloga, é necessário buscar ajuda multidisciplinar, com diferentes profissionais, entre eles nutricionistas, psicólogos e, em alguns casos, até de um psiquiatra.

 

Reencontro e mudanças

Flávio Fabris começou a reescrever sua história no dia em que conheceu Fernanda, sua “futura mãe”. Como ele, ela também sonhava com uma família, após 11 anos tentando engravidar.  Num dia, enquanto, aleatoriamente, navegava pela internet, acabou no site “Adote um boa noite”. Foi quando viu uma foto de Flávio e seus três irmãos.  “Encontrei meus filhos, soube na hora”, lembra.  Depois de cinco meses, enfim, isso era uma realidade.

Entre os novos desafios, adaptação das crianças e também de Fernanda e do marido Maurício,  estava o problema da obesidade de Flávio. “Quando ele veio para nossa casa, Flávio comia compulsivamente. Era um menino muito envergonhado, triste, praticamente não sorria, estava sempre olhando para baixo, não tirava a camisa por nada”, recorda-se Fernanda.

Para ajudar o menino, foram necessários muito amor e também ajuda profissional, que veio através da irmã de Fernanda, a nutricionista infantil Gabriela Zauli.Segundo Gabriela, em casos como o de seu sobrinho, “o primeiro passo é acolher a criança ou adolescente e procurar ajuda, independentemente das adversidades, e entender que as conquistas chegarão por meio de um processo. Não existe milagre, existe criação de hábitos saudáveis”.

Para o sucesso do tratamento dos transtornos alimentares entre crianças e adolescentes, Gabriela afirma que a abordagem nutricional deve envolver toda a família e é de extrema importância que todos estejam dispostos a mudar pequenos hábitos do cotidiano que, quando somados, resultam em um estilo de vida saudável. “Neste contexto, são abordados temas como tabus e crenças alimentares, disponibilidade dos alimentos, preparo e local das refeições, intervalos e quantidades consumidas, leitura de rótulos e muitos outros fatores que aos poucos vão sendo trabalhados e modificados”, orienta.

Gabriela ainda ressalta que as dietas rígidas e extremamente restritivas podem acarretar em prejuízos ao crescimento e desenvolvimento da criança ou adolescente, sendo, portanto, desaconselhadas.


Apoio da família foi fundamental no processo de reeducação alimentar e resgate da autoestima

 

Autoestima

No caso específico de Flávio, a nutricionista propôs um acompanhamento gradativo.  “Iniciamos modificando a composição das refeições que antes eram desbalanceadas e ricas em carboidratos, adicionando fontes saudáveis de proteínas, fibras e gorduras boas. As refeições também passaram a ser realizadas à mesa, com todos juntos, conversando e criando boas memórias em relação ao ato de se alimentar”, orienta.

O resultado não demorou a vir. “O Flávio começou a crescer sem ganhar mais peso e observar sua evolução o fez ter mais energia e ânimo para buscar um estilo de vida mais ativo. No início, no contexto da pandemia e adaptação familiar, não era possível a prática supervisionada de atividade física. No entanto, ele brincava ao ar livre com os irmãos e andava de bicicleta”, lembra.

Hoje, Fernanda Fabris é uma mãe orgulhosa das conquistas e mudanças do filho. “Flávio é um adolescente feliz e ativo, praticante de jiu jitsu.  Não se inibe mais e adora pular na piscina sem camisa.  Está sempre sorrindo e tem uma autoestima elevada”, comemora.

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