Quando o oftalmologista Sérgio Canabrava começou suas primeiras pesquisas com uma impressora 3D em Belo Horizonte, ele não poderia imaginar que essa jornada o levaria à criação de um produto inovador para cirurgias de catarata. O que começou como um experimento no campo da oftalmologia resultou em uma tecnologia licenciada pela Anvisa: o Anel Canabrava, que ajuda na cirurgia de pacientes cuja pupila não dilata a partir de colírio. Os royalties do produto foram vendidos para a AJL Ophthalmic – multinacional espanhola que atua com produtos oftalmológicos – e pode chegar a 80 países.
O médico explica que a pesquisa começou com um despretensioso insight que ele teve ao ver uma reportagem sobre as impressoras 3D. Depois de ouvir sobre as possibilidades dessa tecnologia, Canabrava notou que no campo da oftalmologia esse era um tema pouco abordado e, por isso, decidiu desenvolver uma solução.
Como toda inovação surge da resolução de um problema, o médico partiu de uma dificuldade que ele conhecia bem: a cirurgia de catarata em pacientes cuja pupila não dilata a partir de colírio. “É uma condição que dificulta o procedimento e que atinge 5% dos pacientes que precisam fazer a cirurgia de catarata”, explica.
Com o problema em mãos, o especialista deu início, em 2014, a uma longa jornada de estudos, criação de protótipos, pedido de autorização para testes e simulações, publicações, apresentações em congressos e negociações com a indústria.
“Foram necessários cinco desenhos diferentes para chegar ao design final do anel”, relata o médico. Segundo ele, a peça é feita em material biocompatível e quase microscópica: tem 0.4 mm de altura e 6.3 mm de diâmetro. Ele é inserido no olho do paciente na hora da cirurgia e age produzindo o mesmo efeito que os colírios dilatadores de pupila produzem nos olhos de pacientes sem essa condição.
Dr. Sérgio Canabrava
Mesmo antes de o anel ser licenciado pela Anvisa, a pesquisa ganhou prêmios nacionais e internacionais, como o 3rd prize innovative – Congresso Europeu de Catarata 2015; o reconhecimento de Melhor Trabalho da Sessão no Congresso Americano de Catarata 2017 e o primeiro lugar em Catarata geral no festival de Filmes do Congresso Brasileiro de Catarata em 2018.
A inovação também chamou a atenção da multinacional espanhola AJL Ophthalmic, que em 2015 assinou um contrato com o médico para a produção e comercialização do produto em todo o mundo. Mas a venda efetiva só foi possível há cerca de dois meses, quando a certificação da Anvisa foi finalmente emitida e o anel passou a ser comercializado no Brasil. Agora, a multinacional trabalha para a adequação à legislação em outros mercados e a expectativa é que ele seja vendido em 80 países onde a empresa tem representantes.
Mais segurança nas cirurgias de risco
O médico afirma que o processo para finalmente chegar à venda do produto foi longo, mas ele comemora o resultado. “Fico muito satisfeito por ter contribuído para aumentar a segurança nesse caso em que a cirurgia é mais difícil. É uma honra ajudar os colegas oftalmologistas e os pacientes”, diz.
A ajuda foi valiosa para Maria do Carmo da Silva, de 67 anos, que foi operada em Belo Horizonte com o Anel Canabrava. A filha da paciente, Emanuelle Alves de Andrade Oliveira, relata que a mãe sempre teve o problema da não dilatação da pupila e esperou por muito tempo a cirurgia de catarata pelo SUS, o que acabou agravando o caso. “Quando vimos que ela poderia perder a visão por causa dessa demora decidimos procurar um médico. Chegamos no doutor Sérgio Canabrava e vimos como ele era especialista no assunto, que ia a congressos e optamos por ele”, conta.
Emanuelle Alves e Maria do Carmo da Silva
Ela afirma que o oftalmologista explicou detalhadamente o procedimento e a utilização do anel, o que a deixou muito tranquila. “Eu até o segui no Instagram, vi que ganhou prêmio com esse anel e tive certeza que podia entregar nas mãos dele. A cirurgia e a recuperação foram tranquilas e hoje ela está enxergando muito bem”, comemora.
Emanuelle afirma que ficou muito impressionada com a tecnologia criada por um médico brasileiro. “Um médico do nosso país criar algo tão importante e que está ajudando tanta gente é de se admirar”, afirma.
Canabrava destaca que, de fato, é uma conquista um médico brasileiro financiar sozinho uma pesquisa de ponta a ponta: desde os estudos iniciais, passando pela criação, busca dos processos burocráticos até a negociação com a indústria. Para ele, histórias como essa ainda são exceção no País por falta de investimento.
“É preciso investir mais nas pesquisas, nas universidades, nos hospitais. E não estou falando só de dinheiro público: a iniciativa privada também tem que contribuir para o desenvolvimento de pesquisas de saúde no Brasil”, conclui.